Hudson Taylor
O pai das missões no interior da China
(1832-1905)
Tiago Taylor
tinha-se levantado cedo de madrugada. Chegara por fim o auspicioso e anunciado
dia de seu casamento; o moço ocupava-se em arrumar tudo para receber a noiva na
casa que iam ocupar. Enquanto trabalhava, estava meditando sobre as ocorrências
recentes na aldeola.
Duas famílias, a
dos Cooper e a dos Shaw, converteram-se e convidaram João Wesley a pregar na
feira. O velho discursou sobre "a ira vindoura" de tal maneira, que o
povo desistiu da amarga perseguição, deixando o intrépido pregador hospedar-se
na casa do senhor Shaw.
Enquanto Tiago
preparava a casa para a chegada da noiva, ouvia-se a voz da vizinha, a senhora
Shaw, cantando. Lembrou-se de como ela, meses antes, passava todo o tempo
acamada, gemendo dia após dia por causa do reumatismo que a deixara aleijada.
Mas quando "confiou no Senhor", como disse, para a cura imediata,
grande foi a transformação. E indizível foi a surpresa do marido ao voltar a
casa: a esposa não somente estava curada e de pé, mas estava varrendo a
cozinha!Tiago Taylor odiava a religião. Ainda mais: esse era o dia em que se ia
casar. Depois do casamento iam dançar e beber como se fazia em tais ocasiões.
Mas não podia livrar-se das palavras, talvez ouvidas do sermão do pregador: "Porém
eu e a minha casa serviremos ao Senhor."
Sim, ia ter uma
esposa e assumir as responsabilidades de marido e de pai de família. Grande
tinha sido seu descuido. Resolvido, então, a entrar seriamente na vida de
casado, começou a repetir as palavras: "Serviremos ao Senhor!"
As horas se
passavam. O sol subia mais e mais sobre as casas cobertas de neve. Mas o jovem
Tiago, esquecido de tudo que é material, e tomado pela realidade das coisas
eternas, permaneceu de joelhos, face a face com Deus. O amor do Salvador, por
fim, venceu o seu coração e Tiago Taylor levantou-se com a alma cheia do Senhor
Jesus.
Podemos imaginar
como os sinos dobraram, como a noiva e os convivas se impacientaram, nesse dia.
Já havia passado a hora para o culto de casamento quando o jovem despertou do
enlevo com Deus e se levantou da oração. Depois de vestir-se, venceu
rapidamente os três quilômetros até o vilarejo de Royston.
Sem perderem tempo
em perguntar ao rapaz a razão de tanto atraso, realizou-se o culto, e Tiago e
Elisabete saíram da igreja, casados. O jovem não vacilou, mas ao sair contou
tudo acerca da sua conversão, ao ouvido de Bete. Ao ouvir o que ele relatava,
ela exclamou em tom de desespero: "Casei-me, então, com um desses
metodistas!"
Não houve dança
nesse dia; a voz e o violino do noivo foram usados para glorificar o Mestre.
Bete, apesar de saber em seu coração que Tiago tinha razão, continuou a
resistir e a queixar-se dia após dia. Então, certo dia, quando se mostrava
ainda mais contrariada, o robusto Tiago levantou-a nos braços e a levou para o
quarto, onde se ajoelhou ao seu lado, derramando a sua alma em oração por ela.
Comovida pela profundeza da mágoa e cuidado que Tiago sentia por sua alma, ela
começou a sentir também seu pecado e, no dia seguinte, de joelhos, ao lado do
marido, Elisabete Taylor clamou a Deus, renunciando a vaidade do mundo e entregando-se
a Cristo.É, assim, com os bisavós, que começa a verdadeira biografia do herói
da fé, Hudson Taylor. Os avós e os pais, na mesma ordem, criaram seus filhos no
mesmo temor de Deus.
Num memorável dia,
antes do nascimento de Hudson, o primogênito da família, o pai procurou a sua
esposa para conversar sobre uma passagem das Escrituras que o impressionava
profundamente. Na sua Bíblia leu para ela uma parte dos capítulos 13 de Êxodo e
3 de Números: "Santifica-me todo o primogênito...
Todo o primogênito meu é... Meus serão... Apartarás para o Senhor..."
Os dois conversaram
muito tempo sobre o gozo que esperavam ter. Então, de joelhos, entregaram seu
primogênito ao Senhor, pedindo que desde já ele o separasse para a sua obra.
Tiago Taylor, o pai
de Hudson, não somente orava fervorosamente por seus cinco filhos, mas
ensinou-os a pedirem detalhadamente a Deus todas as coisas. Ajoelhados,
diariamente, ao lado da cama, o pai colocava o braço ao redor de cada um
enquanto orava insistentemente por ele. Desejava que cada membro da família
passasse, também, ao menos meia hora, todos os dias, perante Deus, renovando a
alma por meio de oração e estudo das Escrituras.
A porta fechada do
quarto da sua mãe, diariamente ao meio-dia, apesar das suas constantes e
inumeráveis obrigações, tinha também grande influência sobre todos, pois sabiam
que ela, assim, se prostrava perante Deus para renovar suas forças e para que o
próximo se sentisse atraído ao Amigo invisível que habitava nela.
Não é de admirar,
portanto, que, ao crescer, Hudson se consagrasse inteiramente a Deus. O grande
segredo do seu incrível êxito é que em tudo que carecia, no sentido espiritual
ou material, recorria a Deus e recebia dos tesouros infinitos.
Contudo, não
devemos julgar que a mocidade de Hudson Taylor fosse isenta de grandes lutas.
Como acontece com muitos, o moço chegou à idade de dezessete anos sem
reconhecer Cristo como seu Salvador. Acerca disso ele escreveu mais
tarde:"Pode ser coisa estranha, mas sou grato pelo tempo que passei no
ceticismo. O absurdo de crentes que professam crer na Bíblia enquanto se
comportam justamente como se não existisse tal livro, era um dos maiores argumentos
dos meus companheiros céticos. Freqüentemente afirmava que, se eu aceitasse a Bíblia,
ao menos faria tudo para seguir o que ela ensina e no caso de achar que tal
coisa não era prática, lançaria tudo fora. Foi essa a minha resolução quando o
Senhor me salvou. Acho que desde então realmente provei a Palavra de Deus.
Certamente nunca me arrependi de confiar nas suas promessas ou de seguir a sua
direção.
"Quero relatar
então como Deus respondeu às orações da minha mãe e da minha querida irmã, por
minha conversão:
"Certo dia,
para mim inesquecível,... para me divertir, escolhi um tratado na biblioteca de
meu pai. Pensei em ler o começo da história e não ler a exortação do fim.
"Eu não sabia
o que acontecia ao mesmo tempo no coração da minha querida mãe, que estava a
mais de cem quilômetros de casa. Ela levantara-se da mesa anelando a salvação
de seu filho. Estando longe da família e livre da lida doméstica, entrou no seu
quarto, resolvida a não sair antes de receber a resposta às suas orações. Orou
hora após hora, até que, por fim, só podia louvar a Deus: o Espírito Santo
revelou-lhe que o filho por quem orava já se havia convertido.
"Eu, como já
mencionei, fui dirigido ao mesmo tempo a ler o tratado. Fui atraído pelas
palavras: A obra consumada. Perguntei-me a mim mesmo: "Por. que o escritor
não escreveu: A obra propiciatória? Qual é a obra consumada?" Então vi que
a propiciação de Cristo era plena e perfeita. Toda a dívida de nossos pecados
ficou paga e não restava coisa alguma que eu fizesse. Então raiou em mim a
gloriosa convicção; fui iluminado pelo Espírito Santo, para reconhecer que eu
somente precisava de prostrar-me e, aceitando o Salvador e a sua salvação,
louvá-lo para todo o sempre.
"Assim,
enquanto a minha querida mãe, no seu quarto, de joelhos, estava louvando a
Deus, eu também louvava a Deus na biblioteca de meu pai, onde entrara para ler
o livrinho."
Foi assim que
Hudson Taylor aceitou, para a sua própria vida, a obra propiciatória de Cristo,
um ato que transformou todo o resto da sua vida. Acerca da sua consagração, ele
escreveu:
"Lembro-me bem
da ocasião, quando, com gozo no coração, derramei a alma perante Deus,
repentinamente, confessando-me grato e cheio de amor porque Ele tinha feito
tudo - salvando-me quando eu não tinha mais esperança, nem queria a salvação.
Supliquei-lhe que me concedesse uma obra para fazer, como expressão do meu amor
e gratidão, algo que envolvesse abnegação, fosse o que fosse; algo para agradar
a quem fizera tanto para mim. Lembro-me de como, sem reserva, consagrei tudo, colocando
a minha própria pessoa, a minha vida, os amigos, tudo sobre o altar. Com a
certeza de que a oferta fora aceita, a presença de Deus se tornou verdadeiramente
real e preciosa. Prostrei-me em terra perante Ele, humilhado e cheio de
indizível gozo. Para que serviço fora aceito eu não sabia. Mas fui possuído de
uma certeza tão profunda de não pertencer mais a mim mesmo, que esse
entendimento, depois dominou toda a minha vida".
O moço que entrou
no quarto para estar sozinho com Deus nesse dia, não era o mesmo quando dali
saiu. Um alvo e um poder se apossaram dele. Não mais ficou satisfeito em
somente alimentar a sua própria alma nos cultos; começou a sentir a sua
responsabilidade para com o próximo - anelava tratar dos negócios de seu Pai.
Regozijava-se com riquezas e bênçãos indizíveis. E, como os leprosos no arraial
dos siros, Hudson e sua irmã, Amélia, diziam: Não fazemos bem; este dia é de
boas novas, e nos calamos. Desistiram, pois, de assistir aos cultos aos
domingos à noite e saíram para anunciar a mensagem, de casa em casa, entre as
classes mais pobres da cidade. Mas Hudson Taylor não se sentia satisfeito;
sabia que ainda não estava no centro da vontade de Deus. Na angústia de seu
espírito, como aquele da antiguidade, clamou: Não te deixarei ir, se me não
abençoares. Então, sozinho e de joelhos, surgiu na sua alma um grande
propósito: se Deus rompesse o poder do pecado e o salvasse em espírito, alma e
corpo para toda a eternidade, ele renunciaria tudo na terra para ficar sempre
ao seu dispor. Acerca desta experiência, foi ele mesmo que se expressou:
"Nunca me
esquecerei do que senti então; não há palavras para descrever. Senti-me na
presença de Deus, entrando numa aliança com o Todo-poderoso. Pareceu-me que
ouvi enunciadas as palavras: Tua oração é ouvida; todas condições são aceitas.'
Desde então nunca duvidei da convicção de que Deus me chamava a trabalhar na
China."
A chamada de Deus,
apesar de Hudson Taylor quase nunca a mencionar, ardia como um fogo dentro do
seu coração. Copiamos a seguir o seguinte trecho de uma das cartas enviada a
sua irmã:
"Imagina,
centenas de milhões de almas sem Deus, sem esperança, na China! Parece
incrível; milhões de pessoas morrem dentro de um ano sem qualquer conforto do
Evangelho!... Quase ninguém liga importância à China, onde habita cerca da
quarta parte da raça humana... Ora por mim, querida Amélia, pedindo ao Senhor
que me dê mais da mente de Cristo... Eu oro no armazém, na estrebaria, em
qualquer canto onde posso estar sozinho com Deus. E ele me concede tempos
gloriosos... Não é justo esperar que V... (a noiva de Hudson) vá comigo para
morrer no estrangeiro. Sinto profundamente deixá-la, mas meu Pai sabe qual é a melhor
coisa e não me negará coisa alguma que seja boa..."
A falta de espaço
não permite relatarmos aqui o heroísmo da fé que o jovem mostrou suportando os
sacrifícios e as privações necessárias para cursar a escola de medicina e de
cirurgia para melhor servir o povo da China.
Antes de embarcar,
escreveu estas palavras à sua mãe: "Anelo estar aí uma vez mais e sei que
a senhora quer verme, mas acho melhor não nos abraçarmos um ao outro mais, pois
isso seria encontrarmo-nos para logo nos separarmos para todo o sempre..."
Contudo a sua mãe foi ao porto de onde o navio se ia fazer à vela. Alguns anos
depois ele assim registrou a partida:"A minha querida mãe, que agora está
com Cristo, veio a Liverpool para despedir-se de mim. Nunca me esquecerei de
como ela entrou comigo no camarote em que eu ia morar quase seis longos meses. Com
o carinho de mãe, endireitou os cobertores da pequena cama. Assentou-se ao meu
lado e cantamos o último hino antes de nos separar-mos um do outro.
Ajoelhamo-nos e ela orou. Foi a última oração de minha mãe antes de eu partir
para a China. Ouviu-se então o sinal para que todos os que não eram passageiros
saíssem do navio. Despedimo-nos um do outro, sem a esperança de nos
encontrarmos outra vez... Ao passar o navio pelas comportas, e quando a
separação começou a ser realidade, do seu coração saiu um grito de angústia tão
comovente, que jamais esquecerei. Foi como que meu coração fosse traspassado
por uma faca. Nunca reconheci tão plenamente até então, o que significam as
palavras: Pois assim amou Deus ao mundo. Estou certo de que a minha preciosa
mãe, nessa ocasião, chegou a compreender mais do amor de Deus para com um mundo
que perece do que em qualquer outro tempo da sua vida. Oh! como se entristece o
coração de Deus ao ver como seus filhos fecham os ouvidos à chamada divina para
salvar o mundo pelo qual seu amado, seu único Filho sofreu e morreu!"
Os passageiros de
navios modernos conhecem muito pouco do incômodo de viajar em navio à vela.
Depois de uma das muitas tempestades por que passou o "Dumfries", o
nosso herói escreveu: "A maior parte do que possuo está molhado. O
camarote do comissário, coitado, inundou-se..." Somente pelas orações e
grandes esforços de todos a bordo é que conseguiram salvar as próprias vidas
quando o navio, levado por grande temporal, estava prestes a naufragar nas
pedras da praia de Gales. A viagem que esperavam realizar em quarenta dias
levou cinco meses e meio! Somente em 1 de março de 1854, Hudson Taylor, com a
idade de vinte e um anos, conseguiu desembarcar em Shanghai, quando então ele
escreveu estas impressões:
"Não posso
descrever o que senti ao pisar em terra. Parecia-me que o coração ia estourar;
as lágrimas de gratidão e gozo corriam-me pelas faces."Sobreveio-lhe,
então, uma grande onda de saudade; não havia amigos, nem conhecidos, nem
qualquer pessoa em todo o país para saudá-lo bem-vindo nem mesmo alguém que
conhecesse o seu nome.
Nesse tempo a China
era terra incógnita, a não ser os cinco portos no litoral, abertos à residência
de estrangeiros. Foi na casa de um missionário em Shanghai, um dos cinco
portos, que o moço achou hospedagem.
A vitória em todas
as variadas provações nesse tempo era devida à característica mais saliente de
Hudson Taylor, talvez a de nunca ficar parado na sua obra, fosse qual fosse o
contratempo.
Durante os
primeiros três meses na China, distribuiu 1.800 Novos Testamentos e Evangelhos
e mais de 2 mil livros. Durante o ano de 1855, fez oito viagens - uma de
trezentos quilômetros, subindo o rio Yangtzé. Em outra viagem visitou cinqüenta
e uma cidades onde nunca antes se ouvira a mensagem do Evangelho. Nessas
viagens foi sempre prevenido do perigo que corria a sua vida entre um povo que
nunca tinha visto estrangeiros.
Para ganhar mais
almas para Cristo, apesar da censura dos demais missionários, adotou o hábito
de vestir-se como os chineses. Rapou a cabeça na frente, deixando o resto dos
cabelos a formar trança comprida. A calça, que tinha mais de meio metro de
folga, ele a segurava conforme o costume, com um cinto. As meias eram de chita
branca, o calçado de cetim. O manto pendendo dos ombros, sobressaía-lhe a ponta
dos dedos das mãos mais que setenta centímetros.
Mas uma das cruzes
mais pesadas que o nosso herói teve de levar foi a falta de dinheiro, quando a
missão que o enviara se achava sem recursos.
Em 20 de janeiro de
1858, Hudson Taylor casou-se com Maria Dyer, uma missionária de talento na
China. Desse enlace nasceram cinco filhos. A casa em que moraram primeiro, na
cidade de Ningpo, tornou-se depois o berço da famosa Missão do Interior da
China.
As privações e os
encargos de serviço em Shanghai, Ningpo e outros lugares eram tais que Hudson
Taylor, antes de completar seis anos na China, foi obrigado a voltar à
Inglaterra para recuperar a saúde. Foi para ele quase como que uma sentença de
morte quando os médicos informaram-lhe de que nunca mais devia voltar à China.
Entretanto, o fato
de perecerem mais de um milhão de almas todos os meses na China era uma
realidade para Hudson Taylor; com seu espírito indômito, ao chegar à
Inglaterra, iniciou imediatamente a tarefa de preparar um hinário e a revisão
do Novo Testamento para os novos convertidos que deixara na China. Usando ainda
o traje de chinês, trabalhava tendo o mapa da China na parede e a Bíblia sempre
aberta sobre a mesa. Depois de alimentar-se e fartar-se da Palavra de Deus,
fitava o mapa, lembrando-se dos que não tinham tais riquezas. Todos os problemas
ele os levava a Deus; não havia coisa alguma demasiado grande, nem tão
insignificante, que a não deixasse com o Senhor em oração.
Em razão de suas
atividades, estava tão sobrecarregado de correspondência e nos trabalhos dos
cultos em prol da China, que após a sua chegada passaram-se mais de vinte dias
antes de conseguir abraçar seus queridos pais em Bransley.
Passava, às vezes,
a manhã, outras vezes a tarde, em jejum e oração. O seguinte trecho que ele
escreveu mostra como a sua alma continuou a arder nos seus discursos nas
igrejas da Inglaterra, sobre a obra missionária.
"Havia a
bordo, entre os companheiros de viagem, certo chinês que se chamava Pedro.
Passara alguns anos na Inglaterra, mas, apesar de conhecer algo do Evangelho,
não reconhecia coisa alguma do seu poder para salvar. Senti-me ligado a ele e
esforcei-me em orar e falar para levá-lo a Cristo. Mas quando o navio se
aproximava de Sung-Kiang e eu me preparava para ir a terra, pregar e distribuir
tratados, ouvi o grito de um homem que caíra na água. Fui ao convés com os
outros - Pedro tinha desaparecido.
"Imediatamente
arriamos as velas, mas a correnteza da maré era tal que não tínhamos a certeza
do lugar onde o homem caíra. Vi alguns pescadores próximos, que usavam uma rede
varredoura. Angustiado clamei:
- Venham passar a
rede aqui, pois um homem está morrendo afogado!- Veh bin, foi a resposta
inesperada, isto é, "Não é conveniente".
- Não falem se é ou
não é conveniente. Venham depressa antes que o homem pereça.
- Estamos pescando.
- Eu sei! Mas
venham imediatamente e pagarei bem.
- Quanto nos quer
dar?
- Cinco dólares,
mas não fiquem conversando. Salvem o homem sem demora!
- Cinco dólares não
basta - responderam eles. Não o faremos por menos de trinta dólares.
- Mas não tenho
tanto! - darei tudo que eu tenho.
- Quanto tem o
senhor?
- Não sei - porém
não é mais do que catorze dólares. "Então os pescadores vieram, passaram a
rede no lugar indicado. Logo à primeira vez apanharam o corpo do homem. Mas todos
os meus esforços para restaurar-lhe a respiração foram inúteis. Uma vida fora
sacrificada pela indiferença dos que podiam salvá-la quase sem esforço."
Ao ouvirem contar
esta história, uma onda de indignação passou por todo o grande auditório.
Haveria em todo o mundo um povo tão endurecido e interesseiro como esse! Mas ao
continuar o seu discurso, a convicção feriu ainda mais o coração dos ouvintes.
- "O corpo
então tem mais valor que a alma? Censuramos esses pescadores, dizendo que foram
culpados da morte de Pedro, porque era coisa fácil salvá-lo. - Mas que acontece
com os milhões que estamos deixando perecer para toda a eternidade? Que diremos
acerca da ordem implícita: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda a
criatura? Deus nos diz também: 'Livra os que estão destinados à morte, e os que
são levados para a matança, se os puderes retirar. Se disseres: eis que não o
sabemos; porventura aquele que pondera os corações não o considerará? e aquele que
atenta a tua alma não o saberá? não pagará ele ao homem conforme a sua obra?'
- "Credes que
cada pessoa entre esses milhões da China, tem uma alma imortal e que não há
outro nome debaixo do céu, dado entre os homens a não ser o precioso nome de
Jesus, pelo qual devamos ser salvos? - Credes que Ele,Ele só, é o Caminho, a
Verdade e a Vida e que ninguém vai ao Pai senão por Ele? Se assim o credes,
examinai-vos a vós mesmos para ver se estais fazendo todo o possível para levar
seu nome a todos.
"Ninguém deve
dizer que não é chamado para ir à China. Ao enfrentar tais fatos, todas as
pessoas precisam saber se têm uma chamada para ficarem em casa. Amigo, se não
tens certeza de uma chamada para continuar onde estás, como podes desobedecer à
clara ordem do Salvador, para ir? - Se estás certo, contudo, de estares no
lugar onde Cristo quer, não por causa do conforto ou dos cuidados da vida,
então estás tu orando como convém a favor dos milhões de perdidos da China?
Estás tu usando teus recursos para a salvação deles?"
Certo dia, não
muito depois de haver regressado à Inglaterra, Hudson Taylor, ao completar a
estatística, veio a saber que o número de missionários evangélicos na China
diminuira em vez de aumentar. Apesar de a metade da população pagã estar na
China, o número de missionários durante o ano tinha diminuído de cento e quinze
para somente noventa e um. Começaram a soar aos ouvidos do missionário estas
palavras: "Quando eu disser ao
ímpio: Certamente morrerás; não avisando tu, não falando para avisar o ímpio
acerca do seu caminho ímpio, para salvar a sua vida. aquele ímpio morrerá na
sua maldade, mas o seu sangue da tua mão o requererei".
Era um domingo, 25
de junho de 1865, de manhã, à beira-mar. Hudson Taylor, cansado e doente,
estava com alguns amigos em Brighton. Mas não podendo suportar mais o regozijo
da multidão na casa de Deus, retirou-se para andar sozinho nas areias da maré
vazante. Tudo em redor era paz e bonança, mas na alma do missionário rugia uma
tempestade. Por fim, com alívio indizível, clamou: "Tu, Senhor, tu podes
assumir todo o encargo. Com tua chamada, e como teu servo, avançarei, deixando
tudo nas tuas mãos."
Assim "a
Missão do Interior da China foi concebida na sua alma e todas as etapas do seu
progresso realizaram-se por seus esforços. Na calma do seu coração, na comunhão
profunda e indizível com Deus, originou-se a missão."Com o lápis na mão,
abriu a Bíblia e, enquanto as ondas do vasto mar batiam aos seus pés, escreveu
as simples mas memoráveis palavras: "Orei em Brighton pedindo vinte e
quatro trabalhadores competentes e dispostos, em 25 de junho de 1865".
Mais tarde,
recordando-se da vitória dessa ocasião escreveu:
"Grande foi o
alívio de espírito que senti ao regressar da praia. Depois de findar o conflito,
tudo era gozo e paz. Parecia que me faltava muito pouco para voar até a casa do
senhor Pearse. Na noite desse dia dormi profundamente. A querida esposa achou
que a visita a Brighton serviu para renovar-me maravilhosamente. Era
verdade!"
O vitorioso missionário,
juntamente com a família e os vinte e quatro chamados por Deus, embarcaram em
Londres, no "Lammermuir", para a China em 26 de setembro de 1865. O
anelante alvo de todos era o de erguer a bandeira de Cristo nas onze províncias
ainda não ocupadas da China. Alguns dos amigos os animaram, mas outros
disseram: "Todo o mundo ficará esquecido dos irmãos. Sem uma junta aqui na
Inglaterra ninguém se importará com a obra por muito tempo. Promessas são
fáceis de fazer hoje em dia; dentro de pouco tempo não terão o pão
cotidiano".
A viagem levou mais
que quatro meses. Acerca de uma das tempestades, um dos missionários escreveu:
"Durante todo
o temporal, o senhor Taylor se comportou com a maior calma. Por fim os
marinheiros recusaram-se a trabalhar. O comandante aconselhou todos a bordo a
amarrarem os cintos de salvação, dizendo que o navio não resistiria à força das
ondas mais que duas horas. Nessa altura, o comandante avançou na direção dos
marinheiros com o revólver na mão. O senhor Taylor então aproximou-se dele e
pediu-lhe que não obrigasse dessa forma os marinheiros a trabalhar. O
missionário dirigiu-se também aos homens e explicou-lhes que Deus ia salvá-los,
mas que eram necessários os maiores esforços de todas as pessoas a bordo. Acrescentou
que tanto ele como todos os passageiros estavam prontos a ajudá-los, e que,
como era evidente, as vidas deles também corriam perigo. Os homens convencidos
por esses argumentos começaram a tirar os destroços,ajudados por todos nós; em
pouco tempo conseguimos amarrar os grandes mastros, que batiam com tanta força
que estavam demolindo um lado do navio".
Foram horas de
grande regozijo quando o "Lammermuir", por fim, aportou, com todos
sãos a bordo, em Shanghai. Outro navio que chegou logo após, perdera dezesseis
das vinte e duas pessoas a bordo!
Os missionários
iniciaram o ano de 1867 com um dia de jejum e oração, pedindo, como Jabez, que
Deus os abençoasse e estendesse os seus termos. O Senhor os ouviu dando-lhes
entrada, durante o ano, em outras tantas cidades! Encerraram o ano com outro
dia de jejum e oração. Um culto durou das onze da manhã às três da tarde, sem
ninguém se sentir enfadado. Outro culto se realizou às 8,30 da noite quando
sentiram ainda mais a unção do Espírito Santo. Continuaram juntos em oração até
a meia-noite, quando celebraram a Ceia do Senhor.
No início de 1867,
o Senhor chamou Graça Taylor, filha de Hudson Taylor, para o Lar Eterno, quando
ela completava oito anos de idade. No ano seguinte, a senhora Taylor e o filho,
Noel, faleceram de cólera. Foi assim que se expressou o pai e marido:
"Ao amanhecer
o dia, apareceu à luz do sol o que fora ocultado pela luz de vela - a cor
característica da morte no rosto da minha esposa. O meu amor não podia ignorar
por mais, não somente o seu estado grave, mas que realmente ela estava
morrendo. Ao conseguir acalmar o meu espírito, eu lhe disse:
- Sabes, querida, que
estás morrendo?
- Morrendo! Achas
que sim? Por que pensas tal coisa?
- Posso ver, que
sim, querida. As tuas forças estão se acabando.
- Será mesmo? Não
sinto qualquer dor, apenas cansaço.
- Sim, estás saindo
para a Casa Paterna. Brevemente estarás com Jesus.
"Minha
preciosa esposa, lembrando-se de mim e de como eu devia ficar sozinho, em um
tempo de tão grandes lutas, privado da companheira com a qual tinha o costume
de levar tudo ao trono da graça, disse:- Sinto muito!
Então ela parou, como
que querendo corrigir o que dissera, porém eu lhe perguntei:
- Estás triste por
causa da partida para estar com Jesus?
"Nunca me
esquecerei de como ela olhou para mim e respondeu:
- Oh! não. Bem
sabes, querido, que durante mais de dez anos, não houve sombra alguma entre mim
e meu Salvador. Não estou triste por causa da partida para estar com Ele, mas
me entristeço porque terás de ficar sozinho nessas lutas. Contudo... Ele estará
contigo e suprirá tudo o que é mister."
"Nunca
presenciei uma cena tão comovente" - escreveu o senhor Duncan. - "Com
a última respiração da querida senhora Taylor, o senhor Taylor caiu de joelhos,
o coração transbordando, e a entregou ao Senhor, agradecendo-lhe a dádiva e os
doze anos e meio que passaram juntos. Agradeceu-lhe, também, pela bênção de Ele
mesmo a levar para a sua presença. Então, solenemente dedicou-se a si mesmo
novamente ao serviço do Mestre.
Não é de supor que
Satanás deixasse a Missão do Interior da China invadir seu território com vinte
e quatro outros obreiros, sem incitar o povo a maior perseguição. Foram
distribuídos em muitos lugares, impressos atribuindo aos estrangeiros os mais
horripilantes e bárbaros crimes, especialmente aos que propagavam a religião de
Jesus. Alvoroçaram-se cidades inteiras e muitos dos missionários tiveram de abandonar
tudo e fugir para escapar com vida.
Quase seis anos
depois de o grupo do "Lammermuir" haver desembarcado na China, Hudson
Taylor estava novamente na Inglaterra. Durante esse tempo da obra na China, a
missão aumentava de duas estações com sete obreiros, para treze estações com
mais de trinta missionários e cinqüenta obreiros, estando separadas as
estações, uma da outra, na média de cento e vinte quilômetros.
Foi durante essa
visita à Inglaterra que Hudson Taylor se casou com Miss Faulding, também fiel e
provada missionária na China.
Acerca de Hudson
Taylor, nesse tempo, certa pessoa amiga, escreveu:
"O senhor
Taylor anunciou um hino, sentou-se ao harmônio e tocou. Não fui atraído por sua
personalidade. Era de físico franzino e falou com voz mansa. Como os demais
jovens, eu julgava que uma grande voz sempre acompanhava um verdadeiro prestígio.
Mas quando ele disse: 'Oremos e nos dirigiu em oração, mudei de parecer; eu
nunca ouvira alguém orar como ele. Havia na sua oração uma ousadia, um poder
que fez todas as pessoas presentes se humilharem e sentirem-se na presença de
Deus. Falava face a face com Deus como um homem com um amigo. Sem dúvida, tal
oração era o fruto de longa permanência com o Senhor; era como o orvalho
descendo dos céus. Tenho ouvido muitos homens orarem, mas não ouvi ninguém como
o senhor Taylor e o senhor Spurgeon. Ninguém, depois de ouvir como esses homens
oravam, pode esquecer-se de tais orações. Foi a maior experiência da minha vida
ouvir o senhor Spurgeon, quando tomou, como se fosse a mão do auditório de seis
mil pessoas e as levou ao Santo dos Santos. E ouvir o senhor Taylor rogar pela
China era reconhecer algo do que significa a súplica fervorosa do justo. "
Foi em 1874 quando,
com a esposa, subiam o grande rio Yangtze e ele meditava sobre as nove províncias
que se estendiam dos trópicos de Burma ao planalto de Mongólia e as montanhas
de Tibete, que Hudson Taylor escreveu:
"A minha alma
anseia, e o coração arde pela evangelização de centenas de milhões de
habitantes dessas províncias sem obreiros. Oh! se eu tivesse cem vidas a dar ou
gastar por eles!"
Mas, no meio da
viagem, receberam notícias da morte da fiel missionária Amélia Blatchley, na
Inglaterra. Ela não somente cuidava dos filhos do senhor Taylor, mas também
servia como secretária da Missão.
Grande foi a
tristeza de Hudson Taylor ao chegar à Inglaterra e achar não somente os seus
queridos filhos separados e espalhados, mas a obra da Missão quase paralisada.
Mas isso não foi ainda a sua maior tristeza. Na sua viagem pelo rio Yangtze, o
senhor Taylor, ao descer a escada do navio, levou uma grande queda, caiu sobre
os calcanhares e de tal maneira que o choque ofendeu a espinha dorsal. Depois
que chegou à Inglaterra o incômodo da queda agravou-se até ele ficar acamado. Sobreveio-lhe
então a maior crise da sua vida, justamente quando havia maior necessidade de
seus esforços. Completamente paralítico das pernas, tinha de passar todo o
tempo deitado de costas!
Uma pequena cama
era a sua prisão; é melhor dizer que era a sua oportunidade. Ao pé da cama, na
parede, estava afixado um mapa da China. E ao redor dele, de dia e de noite,
estava a presença divina.
Aí, de costas, mês
após mês, permaneceu o nosso herói, rogando e suplicando ao Senhor a favor da
China. Foi-lhe concedida a fé para pedir que Deus enviasse dezoito
missionários. Em resposta aos seus apelos para oração, escritos com a maior
dificuldade e publicados no jornal, sessenta moços responderam de uma vez.
Dentre eles, vinte e quatro foram escolhidos. Ali, ao lado do leito, ele
iniciou aulas para os futuros missionários e ensinou-lhes as primeiras lições
da língua chinesa - e o Senhor os enviou para a China.
Lê-se o seguinte
acerca de como o missionário inutilizado em corpo, nesse tempo, ficou bom:
"Ele foi tão
maravilhosamente curado, em resposta à oração, que podia cumprir com um
incrível número de suas obrigações. Passou quase todo o tempo das férias, com
seus filhos em Guernsey, escrevendo. Durante os quinze dias que passou ali,
apesar de desejar compartilhar da delícia da linda praia, com seus filhos, saiu
com eles apenas uma vez. Mas as cartas que enviou para a China e outros lugares
valiam mais do que ouro."
Certo missionário
assim escreveu acerca de uma visita que lhe fez na China:
"Nunca me
esquecerei do gozo e da amável maneira com que me saudou. Conduziu-me logo para
o 'escritório' da Missão do Interior da China. Devo dizer que foi para mim uma
surpresa, ou choque, ou ambas as coisas. Os 'móveis' eram caixotes. Uma mesa
estava coberta de inúmeros papéis e cartas. Ao lado do lume havia uma cama, bem
arrumada, tendo um pedaço de tapete a servir de cobertor. Nessa cama o senhor Taylor
descansava de dia e de noite.
"O senhor
Taylor, sem qualquer palavra de desculpa, deitou-se na cama e travamos a
palestra mais preciosa da minha vida. Toda a idéia que eu tinha das
qualificações para ser um 'grande homem' foi completamente mudada; não havia
nele coisa alguma do espírito de superioridade. Vi nele o ideal de Cristo, da
verdadeira grandeza, tão evidente que permanece ainda no meu coração, através
dos anos, até o presente momento. Hudson Taylor reconhecia profundamente que,
para evangelizar os milhões da China, era imperioso que os crentes na Inglaterra
mostrassem muito mais de abnegação e sacrifício. - Mas como podia ele insistir
em sacrifício sem primeiramente praticá-lo na sua própria vida? Assim ele,
deliberadamente, cortou da sua vida toda a aparência de conforto e luxo.
"Nas viagens
pelo interior da China, ele, invariavelmente, se levantava para passar uma hora
com Deus antes de clarear o dia, às vezes, para depois dormir novamente. Quando
eu despertava para alimentar os animais, sempre o achava lendo a Bíblia à luz
de vela. Fosse qual fosse o ambiente ou o barulho nas hospedarias imundas, não
descuidava o hábito de ler a Bíblia. Geralmente em tais viagens, orava de
bruços, porque lhe faltavam as forças para permanecer tanto tempo de joelhos.
- Qual será o
assunto do seu discurso, hoje? - perguntou-lhe certo crente que viajava com
ele, de trem.
- Não tenho
certeza; ainda não tive tempo de resolver, respondeu-lhe Hudson Taylor.
- Não teve tempo! -
exclamou o homem. - Ora, que faz o senhor a não ser descansar depois de
assentar-se aí?
- Não conheço o que
seja descansar. - foi a resposta calma que ele deu.
"Depois de
embarcarmos em Edinburgo, passei todo o tempo orando e levando todos os nomes
dos membros da Missão do Interior da China, e os problemas de cada um, ao
Senhor."
Está além da nossa
compreensão como no meio de uma das maiores obras de evangelização de toda a
história, ele podia dizer:"Nunca fomos obrigados a abandonar uma porta
aberta, por falta de recursos. Apesar de muitas vezes gastarmos até o último
pêni, a nenhum dos obreiros nacionais nem a nenhum dos missionários, faltou o
prometido 'pão' cotidiano. Os tempos de provações são sempre tempos abençoados
e o que é necessário nunca chega demasiado tarde."
Outro segredo do
seu grande êxito de levar a mensagem de salvação ao interior da China era a
determinação de que a obra não somente continuasse com caráter internacional,
mas também, interdenominacional - que aceitasse missionários dedicados a Deus,
de qualquer nação e de qualquer denominação.
Em 1878, ao regressar
de uma viagem, começou a orar pedindo que Deus enviasse mais trinta
missionários antes de findar o ano de 1879. Diremos, ao lembrarmo-nos do
dinheiro necessário para pagar as passagens e sustentar tantas pessoas, que a
sua fé era grande. Pois bem, vinte e oito pessoas, com os corações acesos pelo
desejo de salvação dos perdidos na China, confiando em Deus para o seu sustento
cotidiano, embarcaram antes de findar o ano de 1878 e mais seis em 1879.
Conversando com um
companheiro de lutas, na cidade de Wuchang, Hudson Taylor começou a enumerar os
pontos estratégicos em que deviam começar logo a evangelizar os dois milhões de
habitantes do vale do grande rio Yangt-ze e o do seu tributário, o rio Hã. Com
menos de cinqüenta ou sessenta novos obreiros, a Missão não podia dar tal passo
- e a própria Missão não tinha mais de um total de cem! Contudo, a Hudson Taylor
foi dada a fé de pedir outros setenta - lembrado das palavras: "Designou o
Senhor ainda outros setenta".
"Reunimo-nos
hoje para passar o dia em jejum e oração" - escreveu Hudson Taylor em 30
de junho de 1872. - "O Senhor nos abençoou grandemente... Alguns passaram
a maior parte da noite em oração... O Espírito Santo nos encheu até nos parecer
ser impossível receber mais sem morrer."
Em certo culto,
durante quase duas horas, louvaram ininterruptamente a Deus pelos setenta
obreiros já recebidos - pela fé. E, em realidade, foram recebidos mais do que
setenta, e dentro do prazo marcado.
O Senhor conduziu a
Missão, pouco a pouco para uma visão ainda mais larga - levou os obreiros a
pedirem ao Senhor outros cem, em 1887. Assim, disse o senhor Stephenson:
"Se me mostrassem uma foto de todos os cem, batida aqui na China, não
seria mais real do que realmente é."
Contudo, Hudson
Taylor não iniciou precipitadamente o programa de orar e se esforçar para
receber mais cem missionários. Como sempre, devia ter certeza da direção de
Deus antes de resolver orar e se esforçar para alcançar o alvo.
Seis vezes mais do
que o número que pediram, se ofereceram para ir! Mas, a Missão rejeitou
fielmente a todos que não concordaram com os princípios declarados desde o
início. Assim, exatamente o número pedido embarcou para a China. - Não foram
cento e um, nem noventa e nove, mas exatamente cem.
Depois da visita de
Hudson Taylor ao Canadá, aos E.U.A. e à Suécia em 1888 e 1889, a Missão do
Interior da China gozou de um dos maiores impulsos para avançar em todos os
anais da história de missões. Assim escreveu depois, o nosso missionário,
acerca do que lhe pesava grandemente no coração durante toda a sua visita à
Suécia:
"Confesso-me
envergonhado de que, até essa ocasião, nunca tinha meditado sobre o que o
Mestre realmente queria dizer ao mandar pregar o Evangelho 'a toda a criatura'.
Esforcei-me durante muitos anos, como muitos outros servos de Deus, para levar
o Evangelho aos lugares mais distantes; planejei alcançar todas as províncias e
muitos dos distritos menores da China, sem compreender o sentido evidente das
palavras do Salvador.
"'a toda a
criatura'? O número total de comunicantes entre os crentes da China não excedia
quarenta mil. Se houvesse outro tanto de aderentes, ou mesmo três vezes mais, e
se cada um levasse a mensagem a oito de seus patrícios - mesmo assim, não
alcançariam mais de um milhão. 'a toda a criatura'! as palavras abrasavam-lhe o
íntimo da alma. Mas como a Igreja, e eu mesmo, falhávamos em aceitá-las
justamente como Cristo queria! Isso eu percebi então; para mim havia apenas uma
saída, a de obedecer.
"Qual será a
nossa atitude para com o Senhor Jesus Cristo quanto a essa ordem? Suprimiremos
o título Penhor', que lhe foi dado, para reconhecê-lo apenas como nosso
Salvador? Aceitaremos o fato de Ele tirar a penalidade do pecado, e recusaremos
a confessarmo-nos comprados por bom preço, e que Ele tem o direito de esperar a
nossa obediência implícita? Diremos que somos os nossos próprios senhores,
prontos a conceder-lhe apenas o que lhe é devido, a Ele que comprou-nos com seu
próprio sangue, com a condição de Ele não pedir demasiado? As nossas vidas, os nossos
queridos, as nossas possessões são somente nossas, não são dele? Daremos o que
acharmos conveniente e obedeceremos à sua vontade somente se Ele não nos pedir
demasiado sacrifício? Estamos prontos a deixar Jesus Cristo nos levar aos céus,
mas não queremos que esse homem 'reine sobre nós'?
"O coração de
todos os filhos de Deus rejeitará, certamente uma afirmação assim formulada.
Mas não é verdade que inumeráveis crentes, em todas as gerações, se comportaram
tal como se isso fosse a base própria para suas vidas? São poucas as pessoas
entre o povo de Deus que reconhecem a verdade de que, ou Cristo é o Senhor de
tudo, ou então não é Senhor de coisa alguma! Se somos nós que julgamos a
Palavra de Deus, e não a Palavra que nos julga; se concedemos a Deus somente o
quanto quisermos então somos nós os senhores e Ele o nosso devedor e, conseqüentemente,
Ele deve ser grato pela esmola que lhe concedemos; deve sentir-se obrigado por
nossa concordância aos seus desejos. Se, ao contrário, Ele é Senhor então
tratemo-lo como Senhor: 'E por que me chamais, Senhor, Senhor, e não fazeis o
que eu digo?'"
Foi assim que
Hudson Taylor, sem esperar, alcançou a mais larga visão da sua vida, a visão
que dominou a última década de seu serviço. Com os cabelos já grisalhos, após
cinqüenta e sete anos de experiência, enfrentou o novo sentido de
responsabilidade com a mesma fé e confiança que o caracterizavam quando era
mais novo. Sua alma ardia ao meditar nos alvos antigos! Ficou ainda mais firme
ao executar a visão de outrora!
Foi assim que
sentiu a direção de unificar todos os grupos evangélicos, que trabalhavam na
evangelização da China, para orarem e se esforçarem para aumentar o número de
missionários, enviando-se à China outros mil, dentro de cinco anos. O número
exato enviado à China durante esse prazo, foi de mil cento e cinqüenta e três!
Não é, pois, de
admitir que as forças físicas de Hudson Taylor começassem a faltar, não tanto
pelas privações e cansaço das viagens contínuas, nem pelos esforços incansáveis
em escrever e pregar, nem pelo peso das grandes e inumeráveis responsabilidades
de dirigir a Missão do Interior da China. Os que o conheciam intimamente sabiam
que era um homem gasto de tanto amar.
A gloriosa colheita
de almas na China aumentava cada vez mais. Mas a situação política do país
piorava dia após dia até culminar na Carnificina dos Boxers, no ano de 1900,
quando centenas de crentes foram mortos. Somente da China Inland Mission
pereceram cinqüenta e oito missionários, e vinte e um de seus filhos.
Hudson Taylor, com
a sua esposa, estavam novamente na Inglaterra, quando começaram a chegar
telegrama após telegrama avisando-os dos horripilantes acontecimentos na China;
aquele coração que tanto amava a cada missionário, quase cessou de pulsar.
Acerca desse acontecimento assim se manifestou: "Não sei ler, não sei
pensar, nem mesmo sei orar, mas sei confiar."
Certo dia, alguns
meses depois, Hudson Taylor, com o coração transbordante e as lágrimas
correndo-lhe pelas faces, estava contando o que lera em uma carta que acabara
de receber de duas missionárias, escrita um dia antes de elas morrerem nas mãos
dos boxers. Eis o que ele disse:
"Oh! o gozo de
sair de tal motim de pessoas enfurecidas para estar na sua presença, para ver o
seu sorriso!" Quando pôde continuar,
acrescentou: "Elas agora não estão arrependidas. Têm a imperecível coroa! Andam
com Cristo em vestes brancas, porque são dignas".
Falando acerca de
seu grande desejo de ir a Shanghai, para estar ao lado dos refugiados, ele
disse: "Não sei se poderia ajudá-los, mas sei que me amam. Se pudessem
chegar-se a mim nas tristezas para chorarmos juntos, ao menos poderiam ter um
pouco de conforto." Mas ao lembrar-se de que tal viagem lhe era impossível
por causa da saúde, a sua tristeza parecia maior do que podia suportar.
Apesar de sentir
profundamente a sua incapacidade para trabalhar como de costume, achou grande
conforto em estar com a sua esposa, a qual tanto amava. Findara o tempo em que
deviam passar longos meses e anos separados um do outro, nas lutas em tantos
lugares.
Foi em 30 de julho
de 1904 que sua esposa faleceu. "Não sinto nada de dor, nada de dor",
dizia ela, apesar da ânsia em respirar. Então, de madrugada, percebendo a
angústia de espírito do seu marido, pediu-lhe que orasse rogando ao Senhor que
a levasse logo. Foi a oração mais difícil da vida de Hudson Taylor, mas por
amor dela, ele orou pedindo a Deus que libertasse o espírito da sua esposa.
Logo que orou, dentro de cinco minutos cessou a ânsia e não muito depois ela
adormeceu em Cristo.
A desolação de
espírito de Hudson Taylor sentiu depois da partida da sua fiel companheira era
indescritível. Todavia, achou indizível paz nesta promessa: "A minha graça
te basta." Começou a recuperar as forças físicas e na primavera fez a sua
sétima viagem aos E.U.A. Daí fez a última viagem à China, desembarcando em
Shanghai em 17 de abril de 1905.
O valente líder da
Missão, depois de tão prolongada ausência, foi recebido em todos os lugares com
grandes manifestações de amor e estima da parte dos missionários e crentes,
especialmente dos que escaparam dos intraduzíveis espetáculos da insurreição
dos Boxers.
Em Chin-Kiang, o
veterano missionário visitou o cemitério onde estão gravados os nomes de quatro
filhos e o da esposa. As recordações eram motivo de grande gozo, isto é, o dia
da grande reunião se aproximava.
No meio da viagem,
quando visitava as igrejas na China, sem ninguém esperar, nem ele mesmo, findou
a sua carreira na terra. Isso aconteceu na cidade de Chang-sha em 3 de junho de
1905. Sua nora contou o seguinte, sobre esse acontecimento:"O querido
papai estava deitado. Como sempre gostava de fazer, tirou as cartas, dos
queridos, da sua carteira e as estendeu sobre a cama. Baixou-se para ler uma
das cartas perto do candeeiro aceso colocado na cadeira ao lado do leito. Para
que ele não se sentisse demasiadamente incomodado, puxei outro travesseiro e o coloquei
por baixo da sua cabeça e assentei-me numa cadeira ao seu lado. Mencionei as
fotografias da revista, Missionary Review, que estava aberta sobre a cama.
Howard tinha saído para ir buscar algo para comer, quando papai, de repente,
virou a cabeça e abriu a boca como se quisesse espirrar. Abriu a boca a
segunda, e a terceira vez. Não clamou; não pronunciou qualquer palavra. Não
mostrou qualquer dificuldade para respirar - nada de ânsia. Não olhou para mim,
e não parecia cônscio... Não era a morte, era a entrada na vida imortal. Seu
semblante era de descanso e sossego. Os vincos do rosto feitos pelo peso da
luta de longos anos pareciam haver desaparecido em poucos momentos. Parecia
dormir como criança no colo da mãe; o próprio quarto parecia cheio de indizível
paz."
Na cidade de
Chin-Kiang, à beira do grande rio que tem a largura de mais de dois
quilômetros, foi enterrado o corpo de Hudson Taylor.
Muitas foram as
cartas de condolências recebidas de fiéis filhos de Deus no mundo inteiro.
Emocionante foram os cultos celebrados em vários países, em sua memória.
Impressionantes foram os artigos e livros impressos acerca das suas vitórias na
obra de Deus. Mas as vozes mais destacadas, as que Hudson Taylor apreciaria
mais, se pudesse ouvi-las, eram as das muitas crianças chineses, que, cantando
louvores a Deus, deitaram flores sobre o seu túmulo.
BIBLIOGRAFIA:
BOYER, Orlando. Heróis da Fé – Vinte Homens Extraordinários
que Incendiaram o Mundo. 2ª ed. Rio de Janeiro: CPAD. 1986, pgs. 133 – 153.
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